A ligeireza da palavra

Augusto Ponzio, Valdemir Miotello

R$31.00

CONVERSANDO PARA COMEÇAR

MIOTELLO: Meu encontro com Bakhtin se deu através do Geraldi, em 1986. Morava em Curitiba e trabalhava no Centro de Treinamento de Professores do Paraná (CETEPAR). Então a Bel e eu lemos o Marxismo. E esse livro virou nossa bíblia. Já tu, Augusto, eu conheci em 1999. Estava finalizando meu doutorado, procurando compreender os discursos neoliberais então fortes aqui no Brasil (e agora novamente), e os colocando em confrontos com outros discursos libertários, como os do MST, e o agora meu orientador, o Geraldi, me trouxe da Espanha, onde fora de férias, um livro muito potente: “La rivoluzione bachtiniana”, de Augusto Ponzio. Li e reli muitas vezes esse livro, sempre buscando alargar minha compreensão de um Bakhtin libertário, preocupado em discorrer sobre a vida. As tuas palavras, Augusto, muito me ajudaram em minhas aulas, nos estudos com meu Grupo de Estudos, e na minha vida pessoal. Finalmente em 2007 tomamos a decisão de traduzir esse livro, para que mais estudiosos pudessem aproveitar esse olhar ponziano. Foi então que entrando em contato com a editora espanhola, ela nos remeteu a Augusto, dono das palavras e da edição. Então te enviei um email, e em dois minutos já obtive uma primeira resposta, depois seguida de milhares de outras mensagens, até que o livro ficou pronto na sua tradução e foi gentilmente aceito pela Contexto para publicação, no ano de 2008.

AUGUSTO: Ainda conservo os e-mails, desde o primeiro, nos quais Miotello me propunha a tradução no Brasil do meu livro A revolução bakhtiniana. Havia começado a me interessar por Bakhtin desde a segunda metade dos anos 1960, e a minha primeira monografia sobre Bakhtin é de 1980. Sucessivamente, em 1992, junto à importante editora Bompiani de Milão, na prestigiosa coleção dirigida por Umberto Eco, foi publicado meu livro Tra linguaggio e letteratura. Introduzione a Michail Bachtin [Entre linguagem e literatura. Introdução a Mikhail Bakhtin], a qual seguiram diversas edições a partir daquela notavelmente ampliada de 2013 e depois de 2015.

Mas na Itália Bakhtin foi fundamentalmente considerado um teórico da literatura. Não foi nunca verdadeiramente compreendida, na Itália – mas também por parte dos autores que têm o mérito de fazê-lo ser conhecido na Europa e nos Estados Unidos, entre os quais sobretudo, respectivamente, Todorov e Holquist – a importância revolucionária do seu pensamento, realizando uma verdadeira e própria “revolução copernicana” na qual ao centro não está mais o eu, segundo a visão egocêntrica do humanismo tradicional, mas o outro, sobre o que eu insisti, desde o início, no meu livro, publicando em italiano, na segunda metade dos anos 1970, os livros de dois importantes componentes do Círculo bakhtiniano, de Volóchinov, Marxismo e filosofia da linguagem e O Freudismo, e o livro de Medviedev, O método formal na ciência da literatura.

Não foram compreendidas as implicações sobre o plano ideológico-social, no âmbito do planejamento social, da insistência de Bakhtin sobre a particular concepção do diálogo na polifonia da obra de Dostoiévski e sobre a visão carnavalesca, sobre a intercorporeidade carnavalesca, sobre a inversão carnavalesca entre o alto e o baixo, sobre a ausência de descontinuidade entre eu-corpo-outro-mundo do “corpo grotesco” na obra de Rabelais. E tudo isso expresso em 1929 na União Soviética, no período stalinista, e sucessivamente a partir da metade dos anos 1960, na perspectiva aberta pelo fim do stalinismo e pelas novas possibilidades de organização das relações sociais que essa, ainda que ilusoriamente, deixava entrever.

Pois bem, creio que tu, Miotello, entreviste no meu livro, La rivoluzione bachtiniana. Il pensiero di Bachtin e l’ideologia contemporanea [A revolução bakhtiniana. O pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea] – que foi traduzido também em 1998 para o espanhol junto à Cátedra de Madrid – o outro Bakhtin em relação àquele geralmente conhecido e divulgado, de “crítico literário”. Creio que o olhar do Brasil – também em relação à sua configuração político-social daqueles anos – à obra de Mikhail e do seu Círculo favorece grandemente a compreensão dessa orientação do pensamento revolucionário do qual tu, Miotello, te fizeste promotor. A partir de 2008, ano da publicação, pela Editora Contexto, do meu livro sobre Bakhtin, muitas vezes fui convidado, graças a ti, Miotello, para vários congressos, encontros e seminários, no Brasil.

MIOTELLO: Nesse ano de 2008 demos início ao “Círculo – Rodas de conversas bakhtinianas”, evento realizado em São Carlos durante muitos anos e que hoje circula por outros lugares, sendo que no ano que vem (2020) será realizado em Belém do Pará, em novembro. E em 2010 conseguimos te trazer ao Brasil, Augusto, pela primeira vez, e também a Susan. O nosso encontro com vocês em São Paulo foi inesquecível. Fomos com um ônibus lotado pra receber vocês e aquela escuta ainda ressoa em nossos corações. Tu havias escrito um livro, como uma carta amorosa, preparando tua vinda: Procurando uma palavra outra. Eram nossas palavras se procurando. Também traduzimos teu livro Encontros de palavras. O outro no discurso, que tinhas publicado na França, visando aprofundar as questões que conversaríamos no evento Rodas daquele ano. Um dos pontos altos dessa troca se deu em 2012, quando organizamos um Seminário de duas semanas de conversas, sendo uma semana em São Carlos, na UFSCar e a outra semana na UNESP de Araraquara. Então contamos com as conversas mais provocantes de Geraldi e tuas, Augusto, e de Susan e Luciano, e temos uma espécie de registro do evento em um livro fundamental pra nós: A escuta como lugar do diálogo: alargando os limites da identidade.

AUGUSTO: Recordo muito bem a primeira vez em que fui convidado por ti ao Brasil. Tu, Miotello, organizaste uma espécie de tournée para mim e Susan Petrilli, precisamente uma série de aulas, conferências, seminários: Brasília (3 de novembro): Estética e ética em Bakhtin; Catalão (4 de nov.): Bajtin; Bakhtine; Bakhtin; São Carlos (5 de nov.): L’opera di Michail Bachtin e il contributo di Augusto Ponzio alla sua interpretazione e diffusione [A obra de Mikhail Bakhtin e a contribuição de Augusto Ponzio à sua interpretação e difusão]; Campinas: (8-9 de nov.) Vigostski: subjetividade e alteridade; Ato Responsável; Orientações linguísticas hoje: objetivismo, subjetivismo, sócio-interacionismo, discurso, linguagem como mercadoria.

Também para mim o encontro em São Paulo contigo e com alguns dos jovens componentes do teu GEGe (Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso) foi inesquecível.

A cidade de São Paulo aquele dia estava em festa: uma grande festa popular, todos juntos a festejar nas praças, nas ruas, uma grande festa “bakhtiniana”. Foi o dia em que tinha sido eleita a Presidenta do Brasil, Dilma Vana Rousseff.

Foi um grande prazer encontrar-te e prosseguirmos juntos o nosso empenho em fazer conhecer e difundir o trabalho desenvolvido por Bakhtin e pelo seu Círculo, para um mundo novo no qual viver juntos.

A obra de Bakhtin na construção de um mundo novo: vivendo juntos: assim se intitulava uma das muitas aulas dadas por mim e por Susan Petrilli – professora ordinária na Universidade de Bari, de Semiótica e filosofia das linguagens – entre os dias 12 e 23 de março de 2013, na Universidade de São Carlos, convidados por ti; na Unicamp em Campinas, convidados pela professora Rosana Novaes, e em Araraquara, na Faculdade de Ciências e Letras.

2015 foi o último ano no qual foi possível para nós sermos convidados ao Brasil, também graças a Marisol Barenco de Mello, para participar diretamente aos encontros dedicados à problemática do diálogo, da enunciação e da escuta com direta referência à obra de Bakhtin. A partir daí nossa participação aconteceu por meio de videoconferências.

Às participações aos congressos e aos seminários bakhtinianos no Brasil se une rapidamente também Luciano Ponzio, docente de Semiótica do texto e Semiótica do cinema na “Università del Salento” de Lecce, que recentemente publicou, com Pedro & João Editores (2019), o livro Ícone e afiguraçao. Bakhtin, Malevitch, Chagall.

E foi Luciano que organizou, na Universidade em Lecce, o Primeiro Seminário Internacional sobre Mikhail Bakhtin, com o título La persistenza dell’altro. La singolarità dell’altro fuori dall’appartenenza identitaria [A persistência do outro. A singularidade do outro fora da pertença identitária], em que também tu participaste, junto a, entre outros, João Vianney Cavalcanti Neto, Marisol Barenco de Mello e Maria Isabel de Moura.

Foi esse o nosso encontro mais recente. E foi nessa ocasião, em Lecce, que decidimos juntos, e com entusiasmo, realizar nosso diálogo à distância, por e-mail, que agora publicamos.

MIOTELLO: Tu, Augusto, e Susan e Luciano já vieram muitas outras vezes ao Brasil. E já trabalharam em cidades diversas, como Catalão, Araraquara, Brasília, Vitória, Niterói, São Carlos, Campinas, Cuiabá, em diversos eventos. Também vários colegas já foram pra Bari e Lecce, na Itália, para fazerem estágios de doutoramento e de pós-doutoramento com vocês. Encontros de palavras muito frutuosos. Alguns colegas, e também a Bel e eu, estivemos em março desse ano de 2019 em Lecce, participando do evento organizado na Universidade pelo Luciano a que te referiste. Em outra ocasião, em 2015, estive fazendo uma fala para teus alunos de pós, Augusto, e alguns colegas teus de trabalho em tua Universidade de Bari.

E muitos artigos teus, Augusto, e da Susan já foram publicados em nossos livros nesses anos todos. E também traduzimos e publicamos outros livros teus, nessa conversa interminável. E no nosso encontro em Bari e Lecce em março, conversamos sobre essa possibilidade de juntos, as conversas misturadas, fazer esse livrinho. E assim continuamos nos falando constantemente, trocamos mensagens de saudades, nos cumprimentamos nos aniversários e nas datas festivas. Trocamos notícias de família.

Tem sido muito profunda essa amizade que fomos construindo, Augusto, e que ainda espero poder ir mais adiante, muito mais adiante, numa relação que tem nos alterado bastante em nosso jeito de viver no mundo. Obrigado por isso.

Ano de lançamento

2019

ISBN

978-85-7993-765-1-

Número de páginas

111

Formato

Autoria

Augusto Ponzio, Valdemir Miotello