Leituras freirianas: diálogos que permanecem

Joelma Carvalho Vilar, Patrícia Martins Lima Pederiva

PREFÁCIO

Em janeiro de 2015 embarquei rumo à UAM – Univesridad Autônoma de Madrid, na cidade de Madri, España, para a realização de meu pós-doutoramento. Parti em busca de novos conhecimentos e diálogos com outros profissionais e autores que arejassem minhas formas de fazer e pensar educação e desenvolvimento humano.

Naquele ano, a Espanha, assim como muitos países da Europa, já enfrentava o desafio da chegada de imigrantes e refugiados de várias partes do mundo, que convidavam a novas formas de organização social, frente aos desafios que essa mudança instaurava no cotidiano do povo espanhol em meio a esse fenômeno migratório.

A equipe da UAM havia, em minha programação de pósdoutoramento, planejado que eu fizesse rodas de conversa com estudantes e professores de lá, além de estudos específicos com minha supervisora, professora Dra. Marta Morgade. Como sou estudiosa da Teoria Histórico-Cultural de Lev Semionovich Vigotski, imaginei que as conversas girassem em torno desse assunto.

Entretanto, qual foi minha surpresa, quando minha supervisora anunciou: queremos saber sobre Paulo Freire. Respondi a ela que não era especialista no autor, apesar de ter lido e estudado alguns de seus livros, mas, que poderia conversar sobre o que eu sabia, até então, com os estudantes e professores da universidade.

Antes desse encontro, perguntei à professora Morgade sobre o porquê do interesse em discutir as ideias de sobre Paulo Freire, ao que ela me respondeu: por que sabemos que ele pensou e se debruçou sobre vários dos problemas sociais que agora estamos enfrentando em nosso país. Jamais pensamos que pudéssemos nos deparar com tantas diferenças sociais, tantas formas de ser e de estar, tantas culturas e formas de pensar em nossos processos educativos, principalmente na escola pública. O Brasil de Paulo Freire deve ter a resposta.

Frente ao desafio proposto, ciente de que o Brasil ainda não tinha todas as respostas esperadas e, que não havia estudado Paulo Freire como deveria, fui à biblioteca da universidade, onde encontrei várias obras traduzidas para o idioma espanhol da obra de Freire. Debruceime sobre tudo o que pude ter acesso e organizei-me para a roda de conversa. Quiseram saber dos principais conceitos dos problemas sociais e educativos que enfrentávamos, como lidávamos com a diversidade brasileira e com os problemas educativos, econômicos e sociais a partir do autor.

Saí dessa conversa admirada com o acontecimento, apesar do meu pouco estudo sobre Paulo Freire, propondo-me a voltar para o Brasil e estudar tudo o que eu pudesse de Freire. Assim o fiz. Antes disso, estive em outros países da Europa, França, Alemanha, Itália, entre outros. Em todos os lugares por onde passei, lá estava Paulo Freire, traduzido, reconhecido e respeitado nos mais diversos idiomas.

Voltei para o Brasil no segundo semestre de 2015. Nesse ano, o país já caminhava para o Golpe, para a retirada da Presidenta Dilma Rousseff do poder, para o declínio de um país que, nos anos de esquerda começava a se reerguer de toda uma história de ditadura, opressão, medo, silenciamento. Os pobres, os marginalizados, as ditas minorias estavam nas universidades, nos cargos públicos. Vários investimentos, desde o governo Lula, tinham sido feitos na área de educação e, Paulo Freire, apesar de ainda ser tão pouco estudado nos cursos de Pedagogia erguia-se majestoso como patrono da educação brasileira.

Estamos em outubro de 2019. O atual governo, neoliberal de extrema direita, tenta retirar Paulo Freire como patrono da educação.

O incriminam, mesmo depois de morto, dos mesmos nomes, das mesmas acusações sobre suas ideias e práticas, e que o levaram ao exílio. Eles sabem e temem a potência de seu pensamento.

Mas, as sementes lançadas por Paulo Freire por tantas décadas ao redor do mundo, em livros, artigos e práticas pedagógicas, por mais que não sejam tão respeitosamente cultivadas em nosso país, sobrevivem. Elas vivem na esperança e na resistência para que o conhecimento seja de todos para todos, na luta por uma sociedade mais justa, humana e equânime. Na consciência da potência de que cada ser humano pode ser um agente transformador, de si e do mundo. No saber da experiência, na convivência das diferenças culturais, no respeito a todas as formas de ser e de existir.

O presente livro carrega a chama freiriana. É uma bandeira que se ergue em meio às atrocidades do governo atual contra a educação, contra a universidade, a ciência e o povo brasileiro, convidando, ainda e mais uma vez, a permanecermos no ato de resistência por meio do livre pensar, do esperançar, do dar as mãos e a seguirmos juntos, entoado o hino à fraternidade, na luta por novas formas de relações sociais e educativas, mais humanas, em meio a uma sociedade mais justa.

Esse livro, portanto, convida a todas e a todos a resistir. Inspiradas e inspirados em nosso patrono da educação, Paulo Freire. As autoras e autores dos artigos aqui presentes, convidam, sob as lentes freirianas, ainda e mais uma vez, ao diálogo, ao desenvolvimento humano por toda a vida, sobre o pensar, organizar e fazer educação dialógica, ao entendimento das raízes epistemológicas do autor, à luta com e pelos oprimidos, a não esquecer experiências passadas e presentes que nos indicam à possibilidade de transformação da escola e da educação, a reconhecer a presença constante de Paulo Freire na educação popular, a conhecer o diálogo do pensamento freiriano com outros autores, como Comênius e Vigotski, por exemplo, a compreender práticas pedagógicas nessas bases e a dar ouvidos para quem vive o processo educativo com e a partir de Paulo Freire.

Gostaria de encerrar essas breves palavras, compartilhando a alegria que tenho em participar desse livro com amigas-irmãs, como Joelma Vilar e Sheyla Almeida. Obrigada por caminharmos juntas parceiras queridas!

Muito me honra também, saber que aqui estão gravadas as palavras de Luiza Erundina, exemplo de cidadã brasileira, de mulher, de militante. Lembro-me de uma palestra sua no Seminário Paulo Freire, organizado pela professora Dra. Joelma Vilar, em junho de 2017, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, auditório da ADUnB, em que, perguntada por um estudante, sobre o momento político atual, se isso não a preocupava, ela, que com seus cabelos brancos, com muitas histórias para compartilhar, respondeu: meu filho, tudo é história…como outras, estas também passarão! Obrigada por dividir esperança Luiza!

Outra presença que muito me orgulha, por estar ao seu lado nesse trabalho, é a do professor Dr. Renato Hilário. Seu trabalho durante a vida, como pesquisador, educador e amigo é um caminhar fraterno e amoroso, digno de suas raízes freirianas. Obrigada por tanta amorosidade Renato, você, assim como Freire, é um exemplo para mim!

A todas as autoras e autores aqui presentes, obrigada pela parceria. Que continuemos espalhando a semente de Paulo Freire pelo mundo. Ontem, hoje e sempre. Avante!!!

Professora Dra. Patrícia Lima Martins PederivaU
ma aprendiz de Paulo Freire
Brasília, 29 de outubro de 2019.

Ano de lançamento

2020

ISBN

978-85-7993-827-6

ISBN [e-book]

978-85-7993-835-1

Número de páginas

219

Organização

Joelma Carvalho Vilar, Patrícia Martins Lima Pederiva

Formato