Gabriela Tebet (Organizadora) !@
Estudos de bebês e diálogos com a sociologia. São Carlos: Pedro & João Editores, 2019. 631p.
ISBN 978-85-7993-660-9 [Ebook]
978-85-7993-669-2 [Livro impresso]
1. Estudos de Educação. 2. Estudos de bebês. 3. Sociologia e estudos de bebês. 4. Autores. I. Título.
CDD – 370
Anete Abramowicz[1]
A obra: Estudos de bebês e diálogos com a
Sociologia organizada pela pesquisadora Gabriela Tebet se constitui em
um esforço científico, ao reunir artigos nacionais e internacionais sobre os
bebês, na perspectiva da sociologia e das ciências sociais. É um trabalho que
denota um fôlego acadêmico, que certamente se constituirá em um handbook, uma obra de referência, para
aqueles(as) que pretendem se embrenhar sob a analítica da sociologia, para
compreender: o que é um bebê? Ao
reunir tantos artigos e inúmeras contribuições a partir da perspectiva das
ciências sociais, evidencia a emergência e o fortalecimento no Brasil de um
campo científico tal como cunhou Bourdieu (1983), que poderíamos denominar “Estudos
de bebês”.
Em 1998 a revista internacional de
sociologia da educação, Éducation et
Sociétés, em seu segundo número escrito em francês, abordou a Sociologia da
Infância. No editorial desse número registrava-se: “este segundo número aborda
um tema que é largamente prospectivo: a sociologia da infância”. E o
editorialista continuava: “há menos de 10 anos, Anne Van Haecht definia a
infância como uma terra desconhecida do sociólogo”. Régine Sirota foi quem
organizou esse primeiro número sobre a Sociologia da Infância na França, e de
certa forma podemos considerar o ano de 1998 como um marco importante na
consolidação deste campo científico, já que reúne em um dossiê artigos nesta
perspectiva. Neste mesmo número Cléopâtre Montandon fez um balanço da
literatura anglo-saxônica sobre a temática. Será hoje a infância ou a criança,
após terem se passado 21 anos, uma terra mais conhecida dos sociólogos(as)? A
sociologia da infância tomou a criança em sua infância como o lugar de suas
pesquisas, criou um campo no qual os(as) sociólogos(as) e outros(as)
pesquisadores(as) que aderiram a esta vertente buscaram compreendê-la. Ao mesmo
tempo, a Sociologia da Infância alargou as possibilidades teóricas de pensar a
criança para além de paradigmas teóricos hegemônicos, como os da Psicologia,
por exemplo, e da própria Sociologia de Durkheim, opondo-se à maneira pela qual
ele pensou os processos de socialização e a essência anômica da criança, que
não poderia compreender as normas e as regras da sociedade. A Sociologia da
Infância fez “fugir” dois campos ao mesmo tempo: realizou a crítica à psicologia
do desenvolvimento/comportamento e à sociologia da educação. Opôs-se e fez
frente à predominância, que se verifica até hoje, da psicologia do
desenvolvimento e do comportamento nas pesquisas relativas à primeira infância.
Podemos afirmar que a Sociologia da Infância promoveu críticas muito severas à
psicologia do desenvolvimento e do comportamento e, ao mesmo tempo, combateu
pressupostos que foram tomados durante muito tempo como valendo por si mesmos.
Há inúmeros exemplos disso, especialmente nas minuciosas descrições das etapas
de desenvolvimento da criança, ou na teoria do apego e, também, na aliança, por
vezes, entre a Educação e a Psicologia, com postulados universais, com suas
etapas universais, de desenvolvimento e/ou comportamento. São duas áreas que a
SI fratura para poder se constituir. A Sociologia da Infância operou uma grande
mudança em relação à Sociologia da Educação, cuja analítica sistêmica se dava
no plano macrossociológico de funcionamento e se configurava como “um campo
saturado”, já que operava suas análises sistêmicas “ignorando” a maneira de
operar dos(as) alunos(as), das crianças. Dos anos 1960 até 1980 a Sociologia da
Educação francesa, por exemplo, tratou essencialmente sobre as questões da
desigualdade social; nesse período os paradigmas eram constituídos pelos
problemas que diziam respeito à maneira pela qual a escola reproduzia, por
diversos mecanismos, a desigualdade social. A criança, na maioria das vezes,
aparecia na paisagem social sem nenhum protagonismo, nenhuma textura.
Quais são os conceitos da sociologia
da infância que foram construídos e nos quais operamos? Protagonismo infantil,
processos de socialização, estrutura social, infância/criança, autoria
social/agência, cultura infantil, geração, etnografia, cultura de pares, estes
são os fundamentais. Podemos procurar descrever a processualidade na qual a
Sociologia da Infância viveu para se construir como um território legítimo de
pesquisa. Ela trouxe em seus movimentos inversões interessantes, novos/outros
agenciamentos, novos(as) pesquisadores(as). Produziu um novo olhar sobre as
crianças, um movimento contra o adultocentrismo, contra o colonialismo, entre
outros. Tomou a fala da criança como valendo por si mesma e produziu uma
inversão nos processos de subalternização, como em um movimento político, pois
sabemos que são os adultos que falam das/sobre as crianças e que isso faz parte
de uma das linhas do processo que chamamos de socialização. É o adulto quem
fala na nossa hierárquica ordem discursiva. Os sociólogos anglo-saxões dizem,
então, com razão, como Jens Qvortrup (1993), que as crianças são, entre as
minorias, as menos protegidas, porque elas não são suas próprias porta-vozes.
No entanto, temos que destacar que
ocorreu um avanço das teorias sociais que embasam os estudos das crianças e da
infância; todavia, por muito tempo os bebês continuaram ocupando apenas uma
condição marginal em tais teorias, mesmo no interior da sociologia da infância,
por exemplo. Há uma ausência histórica dos bebês nos estudos da infância nas
pesquisas de áreas como história, antropologia, geografia e filosofia e
sociologia, que poderiam estabelecer um lugar para os bebês nas ciências
sociais. Esta obra anuncia que pretende contribuir para preencher esta lacuna,
ao compor um dossiê de tamanha envergadura teórica.
Desde a primeira creche fundada em
Paris em 1847 por Firmin Marbeau, um filantropo que, segundo Mozère[2]
(2013), criou a Œuvre nouvelle[3]
da creche parisiense, aos dias de hoje, cuidar, educar e entender o que é o
bebê, significou cartografar uma história múltipla, complexa, que vai desde a
ideia que concebeu o bebê como um mero tubo digestivo, segundo o psiquiatra
Stanislas Tomkiewicz (apud Mozère, 2013), até o esforço empreendido por Liane
Mozère, uma das mais importantes pesquisadoras francesas sobre creches e bebês,
que realiza uma análise microssociológica que se propôs a responder a questão
ainda contemporânea: “como aceder ao desejo das crianças pequenas (0 a 6 anos)
e como abrir espaços-tempos que favoreçam sua expressão, seu desdobramento numa
proliferação rizomática”?
Os estudos de bebês têm inúmeros
desafios, entre eles, a criação de ferramentas teóricas que ajudem a construir
o bebê como figura analítica para favorecer sua expansão e expressão e desse
modo impulsionar e solicitar inúmeras possibilidades analíticas – o que este
dossiê se propõe a enfrentar. Portanto, como afirma Tebet (2013, p.140),
ponderamos
que esses debates aqui iniciados, são apenas parte de um movimento e que visa
trazer para as pesquisas sobre bebês, as contribuições dos estudos da infância,
fazendo também dos bebês um objeto de interesse da sociologia da infância.
Todavia demonstramos nesta tese que este casamento não pode ocorrer a partir da
simples extensão dos conceitos da Sociologia da Infância para os estudos dos
bebês. Porque os bebês não são crianças! Assim, nem todos os conceitos, e nem
todas as metodologias que se aplicam aos estudos das crianças, são adequadas
aos estudos dos bebês.
Os estudos dos bebês e esta obra
contribuem para a ampliação do campo das possibilidades e para que acreditemos
no mundo presente. O nascimento de uma criança é um mundo possível e
desconhecido (Abramowicz, 2011).
Referências
Bibliográficas
ABRAMOWICZ, Anete. A pesquisa com crianças em infâncias e a
sociologia da infância. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de; FINCO, Daniela (Org.).
Sociologia da Infância no Brasil. 1.
ed. Campinas: Autores Associados, 2011. v. 1, p. 17-35.
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. (Org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
MOZÈRE, Liane. Como aceder ao desejo das crianças
pequenas e como sustentá-lo? Pro-Posições, Campinas, v.
24, n. 3, p. 31-44, dez. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&
pid=S0103-73072013000300003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 07 mar. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072013000300003.
QVORTRUP, Jens. Nine
theses about childhood as a social phenomenon. In: ______. (Ed.). Childhood as a social phenomenon:
lessons from an international project. Eurosocial Report 47. Vienna: European Centre, 1993.
SOCIOLOGIE DE
L´ENFANCE, 1 e 2. Revue Éducation et
Sociétés, Bruxelas, dez. 1998/maio 1999.
TEBET, Gabriela Guarnieri
de C. Isto não é uma criança! Teorias
e métodos para o estudo de bebês nas distintas abordagens da Sociologia
da Infância de língua inglesa. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Universidade Federal de São
Carlos, São Carlos.