O discurso antiafricano na Bahia no século XIX

Fábio Ramos Barbosa Filho

APRESENTAÇÃO

Este livro é uma versão modificada da minha tese de doutorado (“Língua, arquivo, acontecimento: trabalho de rua e revolta negra na Salvador oitocentista”), defendida em agosto de 2016 no programa de pós-graduação em Linguística da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof. Dr. Lauro Baldini.

Em linhas gerais, trata-se de um trabalho sobre as relações tensas entre os africanos e o poder político baiano ao longo do conturbado século XIX. Mas é também um trabalho que procura levar a sério o problema da materialidade da língua na discursividade do arquivo. Nesse sentido, o livro parte das provocações de Michel Pêcheux, para quem “o fato da língua foi, e permanece, consideravelmente subestimado em todos os projetos de leitura de arquivo” (Pêcheux, 2010b, p. 58). Provocação que retoma o incisivo alerta de Régine Robin, que apontava aos historiadores o fato de “que a ‘leitura’ de um texto traz à baila problemas tais como a produção do sentido” (Robin, 1977, p. 11).

Foi, portanto, na contramão das leituras que tomam os documentos enquanto repositórios de um conteúdo ou testemunhos de um fato que busquei compreender os processos discursivos em jogo na textualização de um acontecimento singular: a “revolução dos ganhadores”, tal como foi textualizada nos periódicos baianos uma interrupção das atividades laborais promovida por trabalhadores de rua africanos em Salvador, no ano de 1857. É da leitura desse acontecimento que emerge o problema mais geral da legislação antiafricana e, posteriormente, do discurso antiafricano, nas tensões e disputas que marcam o jurídico, o político e o social no século XIX.

Nas frestas do arquivo, a leitura nos expõe ao primeiro impasse. O impasse que marca o próprio da Análise de Discurso face ao trabalho do historiador: o acontecimento discursivo transcende o fato histórico. Ao mesmo tempo, o conceito de discurso nos alerta para o fato de que o documento não pode ser lido de maneira sequencial. Ou seja, o enunciado não pode ser compreendido na transparência da horizontalidade sintática, na medida em que o efeito de linearidade da sintaxe dissimula as dobras do discurso.

Hoje, em tempos de fake news, a textualização de um acontecimento nos periódicos da Bahia oitocentista nos impõe que o próprio de uma notícia de jornal não é ser verdadeira ou falsa, mas constitutivamente contraditória e opaca, uma miríade de discursividades em litígio, na medida em que está materialmente atada à opacidade do acontecimento e aos equívocos constitutivos de qualquer textualização.

Encerro, portanto, afirmando que a textualização, compreendida aqui como um processo linguístico-histórico de formulação do dizer na materialidade do documento, aponta para o fato de que qualquer formulação está carregada de historicidade. Mas aponta, ao mesmo tempo, para a língua enquanto base material de qualquer processo discursivo: é esse imperativo que marca o caráter irredutivelmente linguístico-histórico do nosso objeto, o discurso.

Muitas pessoas foram fundamentais ao longo da elaboração deste livro. Agradeço aos arquivistas do Arquivo Público da Bahia, da Biblioteca Pública do Estado da Bahia e do Arquivo Histórico Municipal de Salvador. Como não lembrar o acolhimento afetuoso ao longo das pesquisas no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia por parte das historiadoras Rosana e Diana? Aquele abraço.

Pela interlocução e pelo afeto, meus agradecimentos a Suzy Lagazzi, Mónica Zoppi-Fontana, Vanise Medeiros, Lucília Maria Abrahão, Cláudia Pfeiffer, Rogério Modesto (a quem dediquei minha tese), Cleudemar Fernandes, aos meus alunos e aos pesquisadores (e amigos) do Darq – Grupo de Pesquisa Discurso e Arquivo, leitores e interlocutores que muito me auxiliaram a chegar a esta versão.

Agradecimento singular ao meu camará Lauro Baldini. Sem ele não haveria nem sombra deste trabalho.

Ano de lançamento

2019

Autoria

Fábio Ramos Barbosa Filho

ISBN [e-book]

978-85-7993-542-8

Número de páginas

270

Formato